Ave-Marias
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista exposições, países:
Madri, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Soltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
Evoco, então, as crônicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
Vocabulário: soturnidade – qualidade de soturno: triste, sombrio, amargo, melancólico; bulício – rumor contínuo e indefinido de coisas ou de vozes; turba – multidão em desordem; toldar-se – cobrir-se; aluguer – aluguel; emadeirado – revestido de madeira; calafate – indivíduo cujo ofício é calafetar: tapar, vedar com pano, papel, massa etc.; magote – grande porção de pessoas ou de coisas; enfarruscado – sujo de carvão, fuligem etc.; boqueirão – abertura
1. No 1º. quarteto, que paisagem deflagra o "desejo absurdo de sofrer" a que se refere o sujeito lírico?
2. Na sua opinião, por que ele considera absurdo esse desejo?
3. A 2ª. estrofe intensifica certa negatividade presente na paisagem enfocada no poema. De que aspectos, particularmente, ela trata e por que podemos considerá-los negativos?
4. Na 3ª. estrofe percebemos que o sujeito lírico tem momentaneamente sua tristeza aplacada. O que desperta o entusiasmo do sujeito lírico?
5. Identifique as duas figuras de linguagem presentes na 4ª. estrofe.
6. Qual das imagens identificadas na questão anterior parece "antipoética", segundo as convenções literárias tradicionais? Por quê?
7. Embrenhando-se pelos becos, errando pelo cais, o sujeito lírico novamente parece entusiasmar-se, embora esse entusiasmo não lhe diminua a tristeza, a melancolia.
a. O que de novo provoca o entusiasmo do sujeito lírico?
b. Transcreva o verso da última estrofe em que o sujeito lírico demonstra ter consciência de ser ilusório o entusiasmo que o distancia do tédio do cotidiano:
Copyright © 2024 QUIZLIB.COM - All rights reserved.
Answers & Comments
Verified answer
1- Na época de Cesário Verde Lisboa era uma cidade iluminada a gás. portanto mal iluminada triste (soturna) ao anoitecer. contrastando grandemente com a maravilhosa luz que tem durante o dia. É essa penumbra que desperta o tal desejo de sofrer, absurdo porque não tem razão válida para isso.
3- como pode ver o poeta até refere o cheiro nauseabundo da iluminação a gás, que combinado com o fumo que sai da maior parte das chaminés, torna lisboa comparável a londres.
4- para os intelectuais da época sair de lisboa que consideravam tacanha e mesquinha partir sobretudo para paris, significava viver a modernidade, logo era com grande entusiasmo que o faziam
5 a1ª parece-me uma hipérbole e a 2ª uma comparação
6- comparar os carpinteiros a morcegos, um animal geralmente considerado repelente.
7- a) a recordação dos feitos dos portugueses, a conquista de Lisboa, os descobrimentos a poesia de Camões (aqui cita os Lusíadas)
b) está no último verso (que não verei jamais) o poeta relembrou por momentos momentos áureos de Lisboa, que no seu tempo não existem já
Espero que goste da minha intrepertação do poema.
Cesário Verde é um meus poetas preferidos.